sábado, 27 de março de 2010

Uma Igreja de Imoralidades




O Carma instantâneo vai te pegar

Vai te acertar bem no meio da cabeça

É raro ver um caso de carma instantâneo, para saquear uma frase de John Lennon, especialmente um tão óbvio e (para os inclinados a ver a coisa desta forma) saboroso como o do Papa Bento XVI.

Veio a público a revelação de que quando ainda era "apenas" um arcebispo, Ratzinger abafou um grotesco caso de abuso no qual um sacerdote abusou de mais de 200 crianças. As comunicações internas do período revelam que outras autoridades até tinham conflitos sobre o que fazer, mas não o nosso amigo Ratzi: ele queria o tema enterrado e Igreja protegida, e fechou o punho na mesa até conseguir.

Nada mais justo portanto, que esteja no leme agora que a crise está estourando. A ideia do Papa sempre foi tornar a Igreja católica menor e mais devota, descartando alguns dos fiéis que só pisam na igreja em dia de bingo ou casamento. Pelo menos na questão da redução de números, já se pode prever que seu mandato será um grande sucesso.

É importante que uma coisa fique clara ao se discutir este assunto. O número de padres que de fato abusaram de crianças é relativamente pequeno: cerca de 4% segundo alguns estudos. Estes crimes forma de responsabilidade individual de cada sacerdote envolvido.

Mas a decisão de abafar e acobertar os incidentes, de mudar os padres de paróquia para que seguissem abusando e estuprando menores e evadindo os acusados da justiça é institucional, e transforma, sim, toda a Igreja em uma fria cúmplice de algo horrível. Isso não foi um acidente ou um deslize, mas um cálculo premeditado, uma aposta que, vemos agora, deu errado.

O escândalo também mostra com a religião ganha um tratamento privilegiado sobre os demais segmentos da sociedade. Se um banco ou escola estivesse escondendo os crimes sexuais de seus integrantes e enviando-os para fora do alcance da lei, não sobreviveria uma semana; a fúria popular e da imprensa não deixaria pedra sobre pedra. Aliás, nem é preciso supor: basta lembrar o caso da Escola Base, na qual pessoas acusadas injustamente de pedofilia tiveram suas vidas devastadas de forma irrecuperável. Mas neste caso, a sociedade segue garantindo o benefício da dúvida, sem qualquer bom motivo para tanto.

Existe um motivo pelo qual crime como o caso da menina Isabela chocam mais do que as tragédias 'normais', no qual um estranho comete a violência. Quando um pai, um parente, um professor é o ator da maldade, ele rompe também um laço de confiança básica que ancora a sociedade. Se não se pode esperar que um suposto representante de deus fique com a mão fora das cuequinhas dos meninos dos quais deveria cuidar, o que garante que qualquer outra instituição funcione?

Que ninguém se engane: outros escândalos virão, e a oportunidade de enfrentá-los de uma forma honesta e responsável, que talvez resgatasse um pouco de dignidade tanto da Igreja como de suas vítimas, já foi perdida. E Bento XVI, que tanto queria colocar sua fé em um patamar acima das igrejas evangélicas, seitas orientais e sincretismos da moda, viverá apenas para ver sua obra pichar a fachada de cada catedral do mundo por uma geração, provavelmente mais.

Certamente é trágico. Mas também é justo.

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